quinta-feira, 13 de março de 2014

A URTIGA, essa maravilhosa mal-amada


História:
Originária da Europa e da Ásia, a urtiga foi talvez das plantas que mais cedo começaram a ser utilizadas pelo Homem, pois desde a idade do bronze (4000-3000 a.C.) que se empregaram as fibras de urtiga no fabrico de vestuário; mais tarde igualmente no de papel.
Dizem que os soldados romanos, estacionados nas regiões setentrionais, cultivavam aí a urtiga, para depois se esfregarem com ela, a fim de suportarem melhor o frio. Aliás, o nome botânico da planta vem do latim urere, que significa "queimar" e tem a ver com o seu carácter urticante. Ainda na Roma antiga, o escritor Plínio o Jovem, que viveu no primeiro século da nossa era, dizia-se um grande apreciador de urtigas, e comia-as cozinhadas como se fossem espinafres
Mais tarde, o cultivo da planta foi continuado em países como a Noruega, a Dinamarca e a Escócia, que com ela fabricavam fatos grosseiros para os marinheiros e também redes de pesca. Mesmo depois do linho ter começado a ser mais apreciado, o fabrico de fibras de urtiga continuou até ao século XIX, especialmente na Escócia. Segundo as próprias palavras do poeta escossês Thomas Campbell - que viveu nos fins do século XVIII, princípios do XIX: "na Escócia, comi urtigas, dormi em lençóis de urtigas, e jantei sobre uma toalha de urtigas. Quando ainda é nova e tenra, a urtiga é um legume excelente... e lembro-me que a minha mãe dizia que, na sua opinião, os fatos de urtiga eram bastante mais resistentes do que os de linho". Também o escritor dinamarquês Christian Andersen, que viveu no século XIX, refere no seu conto "A princesa e os sete cisnes" que são feitos de urtiga os mantos que a princesa tece para libertar os irmãos do feitiço da madrasta.
O uso da urtiga na indústria téxtil durou ainda até ao século XX. Durante a Primeira Grande Guerra, os uniformes dos soldados alemães eram feitos de fibras de urtiga.

Nome científico e família:
A urtiga comum, nome científico urtica dioica (aquela de que falo aqui), pertence a uma família diferente da urtiga branca, cujo nome científico é lamium album. Não se devem confundir, embora o aspecto seja semelhante, mas a urtiga branca não “pica”, isto é, não tem características urticantes. As flores da urtiga branca são igualmente bastante diferentes das da urtiga comum. Contudo, estas duas plantas têm algumas propriedades em comum: ambas são benéficas em casos de reumatismo e gota (especialmente a urtiga branca) e obstipação; uso externo em casos de contusões e queimaduras. As sumidades floridas de ambas as plantas são ricas em taninos e mucilagens.

Cultivo:
A urtiga prefere os terrenos húmidos, frescos, não muito expostos ao sol em chapa. Encontra-se por toda a parte, sobretudo nos terrenos incultos, nos bosques, nos atalhos dos campos. Planta vivaz e muito rústica (resiste até 45 graus negativos!), mal se lhe toca liberta uma substância urticante, que está na origem do seu nome. A urtiga multiplica-se por semente, divisão dos pés, ou por estaca. A distância entre as plantas deve ser de 30-60 cm.

As virtudes das urtigas:
A urtiga é riquíssima em vitaminas, sobretudo as do grupo B, também vitaminas C e K, betacaroteno, minerais como o magnésio e o ferro, oligo-elementos, aminoácidos e proteínas, cálcio, sais e fosfatos. É maravilhosa para combater a queda do cabelo e a fragilidade das unhas, devido à presença de ferro, de silício e das vitaminas B2 e B5, pelo que tem um excelente poder de remineralização. Como é rica em vitamina C, indispensável para uma boa absorção do ferro, torna-se um forte inimigo da anemia e dos problemas circulatórios, sendo recomendada para um bom equilíbrio feminino aquando da menopausa.
Verificou-se ainda que a planta estimula a secreção láctea, reduz o teor de ácido úrico e tem um papel eficaz no alívio das artroses, crises de gota e artrites, bem como outras manifestações reumáticas. As cataplasmas de folhas de urtiga têm grande efeito sobre os eczemas e outras doenças da pele.
A urtiga tem ainda propriedades depurativas do sangue, fazendo baixar o teor de glucose no sangue e estimulando a irrigação sanguínea de todas as partes do corpo. É uma planta indispensável ao metabolismo e à saúde do sistema vegetativo. Combate também o entorpecimento dos membros.

Utilizações práticas das urtigas:
Sendo a Escócia um dos países onde a urtiga foi, desde sempre, muito apreciada e cultivada, não é para admirar que um dos seus pratos tradicionais seja à base de urtigas, a que se junta alho francês, brócolos e arroz. Também na Rússia se emprega a urtiga para confeccionar o conhecido "chtchi".

Segundo parece, ainda hoje em dia os aborígenas da Austrália utilizam um unguento à base de urtigas para friccionar os entorses, e com as folhas fervidas fazem cataplasmas. Na Ucrânia, as urtigas servem para pintar de verde os ovos da Páscoa.

Para quem goste de jardinagem, esta planta - à primeira vista "indesejável" - é um maravilhoso auxiliar, especialmente na cultura biológica. Efectivamente, com uma decocção à base de urtiga podemos desembaraçar as outras plantas de doenças como o míldio, e também de parasitas como o piolho. A urtiga é também óptima para activar a decomposição do estrume orgânico, e alguns cientistas afirmam que o teor de óleos essenciais das plantas cultivadas na proximidade de urtigas é superior ao normal.
A urtiga é igualmente cultivada para a extracção da clorofila e como forragem para o gado bovino, para as aves e para os coelhos. Uma dica que aprendi recentemente de uma leitora é que a avó dela misturava urtigas aos farelos que dava às galinhas, para elas porem mais ovos. E resulta!

Conforme o fim a que se destina, da urtiga utilizam-se as extremidades novas e tenras (sobretudo em Abril), a planta inteira (de Maio a Setembro) e a raíz (de Agosto a Outubro). O corte das plantas deve ser efectuado durante as horas de menos calor e sem sol directo. Seguem-se algumas receitas, quer culinárias ou outras, em que é usada a planta. Para eliminar o efeito urticante da planta, mergulhe-a em água a ferver. Mas se se picar antes de fazer isso, siga a dica que dou no fim do artigo.


Sopa de urtigas
500 g de folhas de urtiga (frescas e novas), 1 cebola, 2 batatas médias, 1 raminho de tomilho, sal e azeite q.b., cubos de pão torrado (facultativo)

Apanhe as urtigas, lave-as e retire as folhas, que deve picar grosseiramente. Entretanto, refogue em azeite, numa panela, a cebola cortada às rodelas e, quando estiver loira, adicione as batatas cortadas aos bocados, um litro de água e o raminho de tomilho. Tempere com sal e deixe cozer até as batatas estarem boas para reduzir a puré com a varinha mágica. Depois, junte as urtigas e deixe cozer mais um pouco (cerca de 10 minutos). Sirva com cubos de pão torrado.


Decocção depurativa
30 g de rebentos primaveris (sem as sementes) por cada litro de água

Ferva as urtigas na água até que o líquido fique reduzido a cerca de um terço do seu volume inicial. Beba duas a três chávenas por dia.
Observação: Esta decocção é um depurativo precioso para a pele e o sangue, mas é conveniente nunca ultrapassar as três chávenas por dia; em maiores quantidades pode provocar retenção de urina. Igualmente se devem retirar cuidadosamente as sementes, pois as mesmas são altamente purgativas.

Shampô anti-caspa
300 g de urtigas (planta inteira), água, champô neutro líquido (para bebés), algumas gotas de essência de bergamota

Ferva durante uns 2-3 minutos 100 g de urtigas num litro de água. Deixe repousar meia hora e depois filtre. Junte mais 100 g de urtigas e ferva de novo durante cerca de 2-3 minutos. Deixe repousar meia hora e filtre. Junte as restantes urtigas e ferva de novo durante 2-3 minutos. Deixe repousar mais meia hora e depois filtre. Adicione então ao líquido obtido um volume igual de champô neutro para bebé, junte algumas gotas de bergamota e deite num frasco, agitando para misturar. Utilize como qualquer outro champô. Será um anti-caspa excelente, que evitará também a queda do cabelo.

Relatos na 1ª pessoa: 
Por volta dos 50 anos comecei a beber infusões de urtiga. Devo prevenir que é uma bebida muito sem gosto, mas bebi-a como se fosse outro remédio. Depois acostumei-me e há já muito que não me afecta o seu gosto sensaborão. O meu pequeno "sacrifício" valeu a pena, pois apesar de descender de uma família em que as descalcificações e osteoporoses são hereditárias, o meu médico dizia-me, por volta dos meus sessenta anos, que eu tinha um esqueleto "mais sólido do que muitas mulheres de quarenta anos". Verifiquei igualmente uma melhoria sensível quanto aos meus cabelos, que têm aspecto mais saudável agora do que quando eu era jovem, por muito estranho que isso possa parecer, mas cujas fotografias da época podem comprovar.

Picou-se com urtiga? Siga estas dicas:
Um dos remédios caseiros que lhe posso aconselhar é sumo de limão a espalhar sobre a parte atingida. O azeite e a cebola também podem ajudar e, às vezes, até basta mesmo espalhar a nossa própria saliva várias vezes ao dia sobre a parte afectada. A levedura ou fermento em pó (que se usa nos bolos) resulta também. Se não passar, então terá de perguntar na farmácia que creme usar.
Eu estou tão habituada a apanhar as urtigas sem luvas (mas com cuidado), que não me preocupo quando elas me picam. Por outro lado, como leu acima, a flagelação com urtigas é um remédio que já nos vem dos Romanos para suportarem melhor o frio e se precaverem contra o reumatismo.

P.S. Um leitor comentou que, quando uma pessoa se pica, não tem de temer nada para além da comichão, reacção que é benéfica para as articulações. Esse leitor ignora que há pessoas que podem ter verdadeira alergia à urtiga, e para essas pessoas é que são recomendadas as dicas que mencionei.

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